quinta-feira, 9 de abril de 2009

Relato pessoal


Nos anos de 2007 e de 2008 tive a oportunidade de viajar pelos Balcãs, tendo passado pela Sérvia, Bósnia, Croácia e Eslovénia. O contacto que tive com os diferentes povos levaram-me a reflectir acerca dos efeitos que a guerra dos anos 90 teve neles. Assim, vou destacar algumas experiências que vivi nestes países que acho que ilustram as consequências da guerra na vida destes povos, sobretudo na relação com o outro (o estrangeiro, ou seja, eu).
Belgrado, a capital da Sérvia foi uma cidade que me espantou logo à partida. A cerca de um quilómetro da estação de comboios existe uma avenida na qual estão sediados diversos ministérios. Esses edifícios estão todos marcados pela guerra através de marcas de balas e de bombardeamentos. Este impacto inicial surpreendeu-me na medida em que embora esperasse ver marcas da guerra não estava à espera de vê-las tão rápido e no centro da capital. Durante a estadia em Belgrado vivi uma experiência que me chocou pelo carácter xenófobo. Um grupo de jovens sérvios ao aperceber-se de que eu e o meu grupo éramos portugueses reagiu insultando o “nosso” Cristiano Ronaldo. Entendi isso como uma forma de insultar-nos deliberadamente e de provocar os estrangeiros. Este episódio levou-me a reflectir acerca do modo como os sérvios encaram os “não-sérvios”, os estrangeiros e a forma hostil como fomos tratados levou-me a pensar que este “tratamento” seria uma herança da guerra. Nessa mesma noite, à porta de uma discoteca assisti a outro acto de discriminação. Um jovem finlandês que queria entrar na discoteca usava ingenuamente uma t-shirt com um símbolo croata e o porteiro ao aperceber-se disso optou por partir para a violência. O facto de dez anos após a guerra o vislumbre de um simbolo ser pretexto para uma agressão também me leva a pensar que tal resulta dos efeitos que a guerra teve nos envolvidos.
A caminho da Bósnia, da janela do comboio avistei placas a sinalizar campos de minas tal como estações de comboios e casas completamente destruídas pela guerra. Dirigíamo-nos para a capital, Sarajevo mas após conhecer um senhor no comboio decidimos ir para a segunda maior cidade bósnia que desconhecíamos, Banja Luka. Quando lá chegámos fomos pedir informações a umas raparigas na rua. Estas mostraram-se surpreendidas com a nossa presença e, incrédulas, perguntaram-nos o que fazíamos ali, uma vez que ninguém visita aquela cidade. Esta postura de estupefacção perante o interesse de alguém diferente na sua cultura também me pareceu uma herança da guerra. Mais tarde nessa noite fomos a um bar e fui surpreendido por um letreiro com uma pistola e um sinal proíbido. A presença desse letreiro no bar fez-me pensar que eventualmente na Bósnia seria tão natural alguém trazer consigo uma pistola como cá é natural uma pessoa ser fumadora. Este letreiro é representativo de como a guerra e a violência que lhe é inerente ainda estão presentes no dia-a-dia. Outro episódio que me marcou em Banja Luka foi ao entrar numa mercearia ser perseguido pelo dono que me gritava “Morocco!! Morocco!! Tunisia!! Tunisia!!”. Este comportamento preconceituoso por parte do dono da mercearia é de salientar porque se refere precisamente à postura que os povos dos balcãs têm em relação ao outro.
A diferenciação que os povos dos Balcãs fazem entre a sua etnia e as outras terá sido possivelmente uma das causas do conflito mas é ao mesmo tempo uma das heranças da guerra. O reforçar da identidade nacional faz com que sejam muito unidos entre si mas dificulta a integração de estrangeiros. Apesar de neste momento não haver guerra nos Balcãs não significa que os problemas tenham sido todos resolvidos e episódios esporádicos de violência e de conflitos étnicos não surpreendem ninguém.


Júlio Afonso Torres

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